STF ajusta regra sobre guarda internacional
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira (21) para reconhecer que a Convenção da Haia de 1980, que trata da restituição internacional de crianças, é compatível com a Constituição brasileira. No entanto, os ministros decidiram ampliar as exceções à regra de devolução imediata, ao considerar situações de violência doméstica no país de acolhida.
O entendimento foi firmado durante o julgamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 4245 e 7686), que questionam trechos do tratado internacional. A Convenção da Haia estabelece que, em casos de violação de guarda, a criança ou adolescente retirado do país de origem deve ser devolvido imediatamente. Até então, o tratado previa exceção apenas para situações em que o retorno representasse grave risco físico ou psíquico, ou colocasse o menor em uma condição intolerável.
A maioria do Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que propôs ampliar essa exceção para incluir casos em que existam indícios consistentes de violência doméstica, mesmo que a criança não seja alvo direto da agressão. O argumento central é que o ambiente violento, ainda que voltado contra um dos pais — geralmente a mãe —, compromete o bem-estar da criança e pode justificar sua permanência no Brasil.
O julgamento, que ainda está em andamento, será retomado na próxima quarta-feira (27), com o voto da ministra Cármen Lúcia. Até o momento, oito ministros já votaram a favor da tese do relator, incluindo Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e Luiz Fux.
Na sessão desta quinta-feira, o ministro Nunes Marques abriu os votos destacando que a preservação da integridade da criança deve prevalecer, inclusive quando há provas robustas de violência doméstica contra um dos pais. Ele ressaltou, contudo, que a análise desses casos exige rapidez, sem que isso implique decisões precipitadas.
O ministro Alexandre de Moraes trouxe uma dimensão social à discussão, apontando que o fenômeno da retenção internacional de crianças é influenciado pelo machismo estrutural. Segundo ele, quase 80% dos casos de retenção ilícita envolvem mães. “Por que isso não acontece com os pais? Porque é uma questão ligada ao patriarcado”, afirmou.
Já o ministro Edson Fachin citou um levantamento do Instituto Alana, segundo o qual 88% das mulheres envolvidas em disputas internacionais de guarda relatam ser vítimas de violência doméstica. Para Fachin, o dado justifica a atuação do STF para assegurar uma interpretação da convenção mais sensível ao contexto de gênero e aos direitos das crianças. Luiz Fux também acompanhou esse entendimento.
Os ministros ainda discutirão a formulação da tese jurídica e possíveis medidas estruturais que orientarão os juízes em decisões futuras. A expectativa é que o julgamento fixe diretrizes mais claras sobre como conciliar os compromissos internacionais do Brasil com a proteção integral da infância e da mulher em situação de violência.
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