Isenção do imposto de renda sob ataque
O projeto de lei que eleva a faixa de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil foi concebido com o objetivo de aliviar a carga tributária das camadas mais pobres e da classe média, enquanto estabelecia um mecanismo de compensação baseado na taxação das camadas mais ricas. A proposta do governo é que essa ampliação fosse financiada por uma contribuição maior dos contribuintes com rendimentos elevados, fortalecendo o princípio da justiça tributária e redistribuindo melhor o peso da arrecadação fiscal.
No entanto, desde a apresentação do texto original, mais de cinquenta emendas parlamentares foram protocoladas, evidenciando o intenso embate político em torno do tema. A votação está prevista para ocorrer no plenário da Câmara no dia 1º, e a pressão de grupos influentes, especialmente do Centrão, tem se intensificado para que a medida seja aprovada sem a taxação dos mais ricos. Esse movimento confronta diretamente a lógica proposta pelo Ministério da Fazenda e ameaça desfigurar o propósito inicial do projeto.
Entre as propostas mais relevantes que alteram significativamente o texto está a Emenda 20, do deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), que elimina a tributação mínima sobre rendimentos anuais superiores a R$ 50 mil e, em seu lugar, propõe a criação de uma nova contribuição: a chamada “CIDE-Bets”, que incidiria em 15% sobre os depósitos realizados em plataformas de apostas. A proposta, ao transferir o ônus da arrecadação dos contribuintes mais ricos para o setor de apostas — já sujeito a regulações e tributos específicos —, levanta preocupações entre especialistas. A medida pode incentivar a migração para sites ilegais, dificultar a fiscalização e, paradoxalmente, reduzir a arrecadação esperada pelo governo.
Outra iniciativa do mesmo parlamentar é a Emenda 22, que busca extinguir o atual sistema de retenção mensal de imposto sobre lucros e dividendos. Essa retenção serve para antecipar parte da arrecadação ao longo do ano e coibir práticas de sonegação, especialmente entre aqueles que concentram altos rendimentos. Substituí-la por um sistema de apuração anual permitiria que contribuintes de maior renda postergassem o pagamento do imposto, favorecendo a manipulação dos momentos de distribuição de lucros e ampliando o espaço para inadimplência e subdeclaração de valores. Uma justificativa apresentada por Garcia defende que o modelo anual seria mais alinhado com a realidade de rendimentos irregulares, mas a medida, na prática, fragiliza o controle sobre grandes contribuintes.
A Emenda 51, que segue a mesma linha, também propõe a extinção da retenção mensal, transferindo toda a responsabilidade de pagamento para o ajuste anual. Com isso, o governo perderia a antecipação de receitas proporcionada pela retenção na fonte, ao mesmo tempo em que aumentaria os riscos de evasão e inadimplência.
Outro caminho de oposição ao modelo original aparece na Emenda 32, apresentada pela Comissão de Agricultura. Essa proposta retira completamente a taxação dos contribuintes mais ricos e propõe que a perda de receita decorrente da nova faixa de isenção seja compensada por cortes de despesas no orçamento público. Na prática, ela abre espaço para que setores como saúde e educação acabem arcando com os custos da ampliação da isenção.
Em conjunto, essas emendas revelam um movimento coordenado no Congresso para proteger os contribuintes mais ricos da nova carga tributária. Propostas como as de Diego Garcia e Mendonça Filho atacam diretamente mecanismos fundamentais de fiscalização e arrecadação, como a retenção mensal sobre dividendos. A sugestão da Comissão de Agricultura representa uma alternativa juridicamente frágil, ao propor cortes vagos e genéricos no orçamento. E a emenda de Cajado, embora mais sólida do ponto de vista técnico, muda o foco da proposta original, desviando a cobrança dos indivíduos para as empresas do setor financeiro.
Caso essas mudanças sejam aprovadas, a promessa de um sistema tributário mais justo pode ser esvaziada, mantendo intocadas as estruturas de privilégio e desperdiçando uma rara oportunidade de promover maior equidade fiscal no país.
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