Pedido de suspensão de agrotóxicos chega à Anvisa

Pedido de suspensão de agrotóxicos chega à Anvisa

Três organizações da sociedade civil protocolaram um pedido formal para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária suspenda a comercialização de três agrotóxicos amplamente utilizados na agricultura brasileira. A solicitação foi apresentada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, pela Fundação Oswaldo Cruz e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, em documento entregue à Anvisa em 15 de dezembro de 2025. As entidades solicitam a reavaliação do glifosato, da atrazina e do alacloro, além da interrupção temporária do uso dessas substâncias no país.

O principal argumento apresentado no pedido é o cancelamento de um estudo científico que, por mais de vinte anos, serviu de base para decisões regulatórias relacionadas ao glifosato. A pesquisa, publicada em 2000, teve sua credibilidade questionada após a revelação de que funcionários da empresa Monsanto, fabricante do produto, participaram da elaboração do texto sem que essa informação fosse declarada. A irregularidade veio a público após investigação do jornal britânico The Guardian.

Segundo as organizações, a própria direção da revista científica que publicou o estudo reconheceu que a falta de transparência sobre a autoria compromete a confiabilidade das conclusões apresentadas. O trabalho teve influência direta em decisões regulatórias em diversos países, inclusive no Brasil, onde embasou pareceres técnicos e notas da Anvisa que resultaram, em 2020, na manutenção do registro do glifosato sem alterações quanto ao seu potencial cancerígeno.

Além do glifosato, o pedido também se baseia em avaliações recentes da comunidade científica internacional que classificaram a atrazina e o alacloro como substâncias com potencial cancerígeno para seres humanos. A atrazina, segundo as entidades, está entre os agrotóxicos mais vendidos no país, com mais de 22 mil toneladas comercializadas. Diante desse cenário, as organizações defendem a reavaliação dos três ingredientes ativos, a suspensão cautelar de seu uso e a garantia de participação social e técnica durante o processo de análise.

O pedido ocorre em um contexto de crescimento expressivo do consumo de agrotóxicos no Brasil. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis em dezembro mostram que o país registrou um novo recorde de vendas dessas substâncias em 2024. De acordo com o levantamento, foram comercializadas cerca de 908 mil toneladas de ingredientes ativos, um aumento de mais de 20% em relação ao ano anterior, impulsionado principalmente pelo avanço das importações.

O glifosato permaneceu como o ingrediente ativo mais vendido no território nacional, com quase 232 mil toneladas comercializadas, apesar de uma leve queda em relação a 2023. Na sequência aparece o mancozebe, que subiu no ranking após registrar crescimento significativo no volume vendido. O Ibama ressalta que os dados são fornecidos pelas próprias empresas detentoras dos registros e podem ser revisados caso sejam identificadas inconsistências.

Organizações da sociedade civil destacam ainda que boa parte dos agrotóxicos mais comercializados no Brasil é proibida na União Europeia. Entre os dez produtos líderes de vendas em 2024, seis não são autorizados naquele bloco, incluindo substâncias como mancozebe, acefato, clorotalonil, atrazina, glufosinato e s-metolacloro.

Dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal também indicam crescimento do mercado. Em 2024, foram vendidas mais de 1,6 milhão de toneladas de produtos formulados, um aumento de 17% em relação ao ano anterior. Apesar da expansão do volume comercializado, o faturamento do setor permaneceu estável, em torno de 20 bilhões de dólares, enquanto as empresas deixaram de recolher bilhões em impostos no período recente.

Paralelamente ao avanço no consumo, o Brasil também registrou recorde na liberação de novos agrotóxicos. Levantamento aponta que, entre fevereiro e o início de dezembro de 2025, foram autorizados 725 novos produtos para uso agrícola, superando o recorde anterior alcançado em 2024. Especialistas alertam que esse modelo de expansão do mercado, com forte apoio estatal, amplia os riscos à saúde da população e ao meio ambiente, com aumento da contaminação da água, dos alimentos e da exposição direta de trabalhadores e comunidades rurais.

Nesse contexto, organizações e especialistas defendem a adoção de políticas públicas voltadas à redução do uso de agrotóxicos no país, como a implementação efetiva do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, lançado pelo governo federal em julho de 2025, como forma de enfrentar os impactos sanitários e ambientais associados ao atual modelo agrícola.

Adriana Nogueira

Adriana Nogueira

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